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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Terror no mar





A MAIORIA de nós éramos turistas da Itália e de outros países europeus que voltavam de suas férias na Grécia. Partimos do porto de Patras na sexta-feira de manhã, 27 de agosto de 1971, e nos dirigíamos para o noroeste, atravessando os Mares Jônico e Adriático, em direção a Ancona, Itália. Por toda a sexta-feira o tempo estava calmo, mas nosso progresso foi bem lento. Às vezes parecia que o navio estava parado.
Achávamo-nos na barca grega Heleanna, um convertido navio-tanque de 171 metros de comprimento. Apesar de seu tamanho enorme, não era difícil ver que estava superlotado, mais de mil passageiros ocupando todo canto possível, junto com cerca de 200 carros. Eu era um dos numerosos passageiros que não tinha uma cabina, e, assim, viajava da melhor forma possível no convés superior. Ali muitos gozavam as carícias da água do mar na piscina, e tentavam ficar mais queimados pelo sol.
Nessa noite, muitos de nós dormimos no convés, utilizando as cadeiras do convés que estavam disponíveis. De início, isso não era desagradável, mas, perto das duas da manhã, uma brisa leve apareceu e continuou a aumentar de intensidade. O frio começou a penetrar. Um bom número de pessoas foi para baixo, tentando encontrar um lugar mais protegido. Peguei minha cadeira do convés e segui-as. Na sala de jantar, muitos passageiros já dormiam, de modo que encontrei um lugar e continuei a descansar.

Irrompe o Incêndio

Às 5,40 fui subitamente acordada. As pessoas corriam de um lado para o outro, e vi fumaça branda do lado de fora. Alguém disse que havia um incêndio. Daí, ouvi um tripulante amaldiçoar o vigia noturno por não notar antes o incêndio. Pensei que talvez alguém tivesse jogado fora um cigarro aceso e começasse um pequeno incêndio. Os jornais, porém, noticiaram que o incêndio começara na cozinha da parte de trás do navio.
Voltei ao convés superior, onde estava minha bagagem. As pessoas corriam em todas as direções. Muitas já tinham posto salva-vidas. A fumaça aumentava. Podia ver as chamas erguer-se bem alto no ar, a bombordo, na parte de trás do navio. Alguns tripulantes corriam em direção ao fogo com extintores.
Ao aumentar o incêndio, também aumentou o pânico. As mulheres desmaiavam, as crianças choravam, e os homens protestavam e ameaçavam. Alguns jovens, a fim de ter provas de sua experiência, tiravam fotografias, já com seus salva-vidas.
As pessoas corriam aos barcos salva-vidas de cada lado do convés. Levei minhas malas, que estavam perto do incêndio, para outro lugar que parecia mais seguro. Retive apenas uma bolsa, contendo documentos e itens de valor.
Aproximei-me de um dos escaleres, que alguns tripulantes jovens se esforçavam muito em preparar para uso. Mas, nada parecia funcionar. Não era possível abaixar o escaler porque as cordas pesadas usadas para tal fim estavam revestidas de muita tinta. Ao ser remediado este problema, a barra de cabrestante não funcionava devidamente para abaixar o barco.

Alívio Momentâneo; Maior Pânico

No ínterim, parecia que a tripulação tivera certo êxito em controlar o incêndio com os extintores. Só se podia ver um pouco de fumaça agora. A sensação de alívio foi fortalecida pelo breve anúncio pelo sistema sonoro, a única vez em que foi usado: NÃO HÁ PERIGO, PERMANEÇAM EM SEUS LUGARES.
Mas, vejam só! Os fatos provavam o contrário. O vento forte logo atiçou as chamas, e cerca de cinco minutos depois do anúncio podia-se vê-las de novo bem altas. Alimentadas pelo vento, avançaram furiosamente. O espetáculo era aterrorizante.
Desta vez, os passageiros, tomados de medo, corriam freneticamente para os barcos salva-vidas. A maioria deles só estava parcialmente vestida, muitos apenas de pijamas ou camisolas, visto que estavam dormindo em suas cabinas. Em poucos instantes, encheram os escaleres. Realmente não sabiam o que fazer, pois não receberam nenhuma instrução.
A tripulação, contudo, tentou persuadi-los a sair dos escaleres, visto que não podiam ser baixados. Assim, houve mais confusão e pânico, à medida que as pessoas disputavam para sair. Vi uma senhora com um dedo completamente amassado, correndo em busca dum médico.
Não vi nenhum navio de socorro vindo, e fiquei pensando se havia sido mandado um SOS. Não estávamos longe da costa italiana, pois víramos suas luzes de madrugada. Mais tarde soubemos que estávamos apenas a vinte e quatro quilômetros de Torre Canne, no sudoeste da Itália. Parece que não foi enviado um SOS senão às 6,40 horas, cerca de uma hora depois de ser descoberto o incêndio.
Para toda parte em que olhava, havia rostos cheios de desespero e terror. Ali se achava uma senhora italiana prestes a desmaiar, sendo confortada e incentivada por suas filhas. Mais adiante estava uma corajosa mãe francesa, dando instruções a suas filhas adolescentes. Mais longe, um casal amarrava sistematicamente os salva-vidas em seus filhos pequenos, certificando-se de que tudo estivesse OK. Até mesmo os rostos de alguns tripulantes estavam tão pálidos quanto um lençol branco.
Por volta desta ocasião viram-se dois navios no horizonte, dirigindo-se para nós, mas ainda a uma longa distância. Isto nos deu certa sensação de alívio. Muitos achavam que os navios enviariam seus escaleres para nos apanhar. Com efeito, passou-se o aviso, de uma fonte desconhecida, de que deveríamos descer para a área de recepção e preparar-nos para descer para os barcos salva-vidas quando chegassem. Segui esta sugestão e desci também.

Esperando Embaixo

A área de recepção já estava repleta de pessoas voltadas para as duas portas de saída. Felizmente, o vento que soprava podia penetrar por estas portas, fornecendo algum ar para respirarmos.
Aqui as pessoas estavam mais calmas, embora algumas ainda desmaiassem. Todos tentavam confortar-se uns aos outros. Todo o mundo olhava para o mar aberto, na esperança de ver aproximar-se um barco de socorro. Esperávamos um anúncio pelo sistema sonoro quanto ao que fazer, mas não foi dado nenhum.
Mais de meia hora se passou, e, se a fumaça não tivesse começado a subir pelas escadas, provável é que seríamos apanhados como ratos numa ratoeira e queimados vivos. Eu estava perto da escada, e, assim que vi a fumaça, corri para o convés superior. Fui para a frente do navio, para longe do fogo. Muitos já se achavam ali. Densa fumaça vinha de trás do convés do comandante.

Situação Desesperadora

Até este momento, eu estava um tanto otimista, esperando que até mesmo se perdêssemos nossos carros e bagagem, poderíamos pelo menos escapar com nossas vidas. Agora, com as chamas bem às nossas costas, não havia mais lugar para otimismo. No entanto, apesar do perigo, permaneci calma.
Vi as pessoas curvarem-se sobre o corrimão e pensei que haviam sido baixadas escadas para entrarem nos barcos salva-vidas. Mas, quando olhei, vi o mar cheio de pessoas! Ao invés de escadas, grossas cordas haviam sido amarradas no corrimão e as pessoas escorregavam nelas para o mar. O convés tinha uns quinze metros de altura até à água, e a idéia de ficar pendurada no espaço vazio e me deixar cair, sem sequer saber se o navio estava parado ou não, quase congelou-me o sangue nas veias. Eu não tinha colete salva-vidas, e não sabia onde é que os outros acharam o deles.
Olhando para cima, para o convés do comandante, vi um tripulante com um colete salva-vidas e lhe perguntei se poderia dá-lo a mim. Ele o tirou e começou a querer jogá-lo para baixo. Mas, vimos que o vento forte o levaria embora, deixando ambos de nós sem colete salva-vidas. Assim, agradeci-lhe e tentei ver se havia outro meio de ajuda. Daí, vi uma bóia redonda no convés. Alguém me disse que ela era ainda melhor do que um colete salva-vidas, de modo que a peguei.
Mal a tinha nas mãos quando um rapaz, que não tinha colete salva-vidas, com um bebê nos braços, aproximou-se de mim, dizendo: “Por favor, dê-a a nós. Somos quatro e não temos coletes salva-vidas.” Junto dele se achava sua esposa com outro bebê nos braços. Imediatamente a dei a ele.
Senti pena da situação desta família jovem. Como iriam conseguir sobreviver com dois bebês? Bem à frente deles se achava um rapaz que se aprontava para escorregar pela corda. Desesperadamente, o pai lhe suplicou que levasse um dos bebês. O homem altruistamente concordou, e, com rara perícia e atenção, começou a descer pela corda levando o bebê. O espetáculo foi emocionante e fiquei muito contente de saber mais tarde que todos os quatro desta família foram salvos.

Ao Mar

Então tinha de fazer algo. Não havia mais tempo a perder. A fumaça estava engrossando e o vento era mais forte. Não tinha outra escolha; tinha de descer ao mar em uma destas cordas! Acumulei toda coragem, joguei fora minha capa de chuva, bolsa e sapatos, e subi no corrimão. Segurei firme a corda; o peso do meu corpo rapidamente me levando para baixo. Devido à velocidade da descida, mergulhei fundo na água. Imediatamente empenhei-me em vir à tona. Respirei fundo, e tentei afastar-me das cordas que flutuavam ao lado do navio.
Foi então que notei profundas feridas em alguns dedos e na palma da mão esquerda, mas, não sentia dor alguma. O mar estava cheio de pessoas, e, uma após outra, outras continuaram descendo lá de cima. Mais de uma vez, algumas pessoas caíram sobre mim, empurrando-me para baixo da água.
Tentava afastar-me do navio, mas não era fácil, visto que grandes ondas me impulsionavam em direção a ele. Sentia como se estivesse no meio de gigantesco redemoinho que me puxava para baixo do navio, que ali estava como enorme montanha aterrorizante sobre nossas cabeças. Era terrível! Sentia claramente o perigo de morrer afogada a qualquer momento.
Para agravar as coisas, havia um barco salva-vidas bem sobre nossas cabeças. Ninguém sabia se estava descendo ou se fora deixado a meio caminho. Daí, ao aumentar o incêndio a bordo, pedaços do barco em chamas começaram a cair por toda a nossa volta.
Ao aumentar o perigo, fiz esforço extra e nadei em direção à hélice do navio. Felizmente, o navio parara. Alcancei a hélice e segurei-me nela por alguns minutos para tomar fôlego e descansar um pouco. Daí, comecei a nadar em direção ao mar aberto.

Luta Pela Sobrevivência

Próximo se achava uma senhora boiando com um colete salva-vidas. Ouvi-a gritar “Aiuto, Aiuto” (Socorro, Socorro), com voz débil. Era uma senhora de meia idade e mui provavelmente não estava familiarizada com o mar. Visto que ainda estávamos perto do navio, disse-lhe que tentasse afastar-se para evitar ser ferida pelos pedaços em chama que caíam. Peguei-lhe a mão e nadei com o outro braço, tentando alcançar o mar aberto.
As ondas eram enormes, tendo cerca de um metro e meio a dois metros e meio, e nadar não era fácil. Todavia, continuei segurando a mão da senhora. Virei-me para ver como ela passava, mas seu rosto parecia sem vida. Quando a chamei, não houve resposta. Seus olhos estavam entreabertos, e tinha uma expressão tranqüila em seu rosto. Mas, não sabia se desmaiara ou se estava morta.
O mar estava ficando mais agitado, tornando crítica minha situação, em especial por eu não ter um colete salva-vidas. Também, meu vestido estava ficando muito pesado, mas eu não conseguia livrar-me dele. Não muito longe, vi boiando na água uma escada de corda meio incendiada. Tentei chegar até ela, visto que poderia ajudar-me a ficar boiando, mas não consegui alcançá-la.
Podia ver que não havia nada mais a fazer senão nadar em direção aos dois navios que vira antes de lançar-me ao mar. Agora havia também um terceiro navio. Segurava com uma das mãos o colete salva-vidas da senhora, ao passo que nadava olhando o mar agitado. Estava sozinha, realmente como uma casca de noz no meio do imenso mar, tendo ao meu lado uma senhora que evidentemente estava morta.
As horas passavam e não havia evidência de ajuda. As ondas tornavam-se cada vez maiores e mais violentas. Tentei deslizar na crista de cada onda, ao bater em mim. Segurar o colete salva-vidas de minha companheira morta foi de alguma ajuda. Mas, a luta contínua para me manter à tona me deixou cansadíssima; minha forças estavam diminuindo.
Um helicóptero passou por cima de minha cabeça algumas vezes, aparentemente tentando localizar sobreviventes. Daí, houve outro. Eu o vi muito atrás de mim, apanhando pessoas. À medida que o helicóptero vinha em minha direção, agitei a mão de modo a ser vista.
Por volta desse tempo, quase que já alcançara um dos navios em direção dos quais eu nadava, mas o vento me puxava para a direita. Por focalizar toda a minha atenção no helicóptero, não tinha visto que já havia um barco a motor ‘na água, aproximando-se de mim. Oh, que alívio! Que alegria!

Salvamento

Quando me alcançaram, jogaram uma corda pesada para que eu segurasse e subisse ao barco. Mas, não consegui fazê-lo. Estava completamente exausta, e tinha cãibra na minha perna direita. Assim, dois marujos se inclinaram de lado e me apanharam com seus braços fortes. Imediatamente me cobriram com um cobertor e me deram uma bebida parecida a conhaque que me fez vomitar a água salgada que engolira.
Fiquei completamente sem forças. Mas, que sensação de contentamento foi estar sentada naquele barco, liberta dos braços dum mar furioso depois de mais de três horas de luta!
Senti pena de minha companheira morta. Os marujos tiveram de abandoná-la no mar, visto que se apressavam em recolher aqueles que conseguiam achar vivos. Mas, se não fosse pela ajuda que ela, sem o saber, me forneceu, não sei se conseguiria ter sobrevivido.
No barco, junto comigo, havia mais sobreviventes que já haviam sido apanhados. Todos estavam envoltos em cobertores, e podia-se ver em seus rostos a extrema fadiga. O barco a motor procurou velozmente outros sobreviventes, e, quando estava cheio, voltou à sua base, um navio iugoslavo chamado Svoboda, significando “Liberdade”.
A tripulação foi extremamente prestimosa. Colocaram praticamente tudo a bordo à nossa disposição. Mais de cem sobreviventes já se achavam no Svoboda, inclusive o capitão do Heleanna, sua esposa, e alguns outros tripulantes.

Emoções Confusas

O quadro dos sobreviventes do naufrágio era patético. Na verdade, eu podia ver a alegria e a satisfação refletidas em rostos cansados, gratos por terem sobrevivido. Todavia, havia os muito doentes, alguns queimados ou com braços quebrados. E a maioria, como eu mesma, ferira as mãos ao escorregar pelas cordas para o mar. Muitos estavam extremamente preocupados, não sabendo o que acontecera a outros membros de sua família.
Muito tocante era a cena de um rapaz que encontrou sua irmã. Caíram um nos braços do outro, chorando, visto que não sabiam o que acontecera com sua mãe. O rapaz tentara ajudá-la, mas, daí, sua força se esvaiu. Havia a senhora que viajava com seus quatro filhos. Dois deles sobreviveram com ela, mas os dois menores estavam perdidos. Sentada num canto, sem poder falar, estava uma jovem italiana que vira seu pai afogar-se diante de seus olhos. Assim, havia uma atmosfera de profundo pesar entre muitos.
Enquanto o Svoboda se dirigia a Bari, Itália, onde chegamos cerca de três horas depois, tentamos secar nossas roupas no sol quente, e descansar um pouco. Todos pensávamos no que teria acontecido se o incêndio grassasse à noite, ou se estivéssemos mais longe da costa. Talvez não houvesse sobreviventes. Do jeito como as coisas aconteceram, mais de mil pessoas foram salvas, e apenas cerca de vinte e quatro pereceram.
Autoridades policiais, jornalistas, enfermeiras e ambulâncias de primeiros socorros estavam esperando por nós em terra. Aqueles dentre nós que precisavam de cuidados médicos foram prontamente levados para os hospitais, onde prontamente recebemos tratamento atencioso e amoroso. Fez-se todo o possível para nos trazer alívio, pelo que sou grata. Sempre lembrarei com gratidão os meus amigos que me visitaram e deixaram as pessoas ao redor de mim impressionadas com suas inúmeras e espontâneas expressões de sincero amor cristão.
Não mais sinto nenhuma dor física proveniente dos ferimentos sofridos. E embora minha perda material fosse considerável, há este consolo: Ainda tenho aquilo que não tem preço, minha vida.

in Despertai de 8/8/1972 pp. 12-17

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OBRIGADO RUI COSTA!

AMOR MEU, DOR MINHA

DOR MINHA QUE BATES NO CORAÇÃO,
OLHOS TEUS QUE CRUZAM COM A PAIXÃO;

PARA ONDE FORES CONTIGO IREI,
ONDE ESTIVERES AÍ FICAREI;

NA ROTA DO AMOR BUSCAMOS SINTONIA,
SENDO O MAIS IMPORTANTE A COMPANHIA;

FELIZ AQUELE QUE TE AMA,
E QUE PODE ALIMENTAR A CHAMA;

FICAREI. FELIZ. SINTO O TEU ABRAÇO FORTE,
SINTO QUE O AMOR NÃO ALIMENTA A MORTE;

POR TUDO ISTO UM ADEUS NÃO PERMITO,
NO NOSSO CORAÇÃO O AMOR NÃO É MALDITO.