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quarta-feira, 28 de março de 2012

A música de batidas irregulares do Peru





RAFAEL entrou no corredor e mergulhou numa poltrona. “Já estamos gravando por horas e jamais vi uma sessão como essa”, disse. “Ao invés de simplesmente sentar-me e tocar o acompanhamento costumeiro, passei a tarde inteira tentando ensinar a orquestra a tocar música das montanhas.”
“Isso não deveria ser uma tarefa tão grande assim”, disse eu. “Todos são exímios tocadores de violão, e a música folclórica é tão simples.”
“É simples, sim, mas já notou a batida? É essa batida que acaba com qualquer um que não tenha sido errado nas montanhas peruanas.”
“Bem, é verdade, já notei que a música folclórica do Peru é um tanto diferente, mas — mas o que será que existe de especial na batida?”
“Depois de algumas barras (traços de compasso), há uma barra que é introduzida que tem apenas uma fração da batida normal. Ora, isto simplesmente não é feito em música. Qualquer músico sabe que uma peça musical tem exatamente tantas barras e cada barra tem determinado número de batidas, quer sejam duas, três, quatro ou até mais. Mas, isso não se dá com a música folclórica das montanhas peruanas.”
“Bem, espere um segundo”, disse eu. “Entendo um pouco de música e sei que cada barra tem de ajustar-se ao tempo, a fim de se ter ritmo. Não há nada mais frustrador do que tocar ou cantar uma peça musical em que não se dá um valor pleno a cada barra. Será que quer dizer que . . .?”
“Que a música folclórica peruana não dá a todas as barras um valor igual de batidas? Sim. Veja, eu demonstrarei.” Nisso, começou a cantarolar uma música que eu conhecia, já a tendo ouvido muitas vezes em meus quatro anos de magistério no interior. Ao cantarolar, notei que em cada quinta barra, parava quase que justamente na metade do número de batidas. Soava deleitosamente normal — para a música peruana.
“Não se lembra da espécie de danças que executam acompanhados por esta música” — perguntou. “Olhe, vou-lhe refrescar a memória.” Nisso, Rafael se pôs de pé, deu alguns passos enquanto cantarolava a mesma música, daí, parou de forma súbita, fazendo parar ambos os pés em rápida sucessão na quinta barra, começando de novo imediatamente depois para as outras quatro barras, para vir a parar de novo na quinta. Quantas vezes eu já vira os índios cantarem e dançarem desta forma! Era fascinante, e tão típica. Esta forma de dança, junto com tal música — formavam uma dupla perfeita.
Minha mente voltou depressa para as cidadezinhas mimosas que pontilhavam a puna (platô alto, frio e árido), ou se aninham nos vales dispostos em forma de terraços dos Andes. Lembrei-me das cenas de pequenos conjuntos musicais tocando nas praças, com harpas e flautas feitas em casa. Saias brilhantes e encapeladas ficam em foco, revelando dançarinas de pernas fortes que giram ao lado de seus parceiros com gorros tricotados. Girando e parando subitamente — girando e parando subitamente.
Rafael começou a falar de novo. Explicou que seria difícil escrever esta música de batidas irregulares, mas que, mesmo assim, ela era simples e não havia complicações para tocá-la. Tudo, sim, exceto a barra partida, isto é, pois isso cria um problema incrível para os músicos convencionais. Seu metrônomo mental, por assim dizer, esforça-se de suprir as batidas que faltam, e a igualar o ritmo e, assim, perde-se o sabor peculiar das batidas irregulares da música folclórica.

A Antiga Música Inca de Hoje

O Peru se acha dividido em seu longo meio pela elevada cordilheira dos Andes, mantendo as comunicações entre a população montanhosa e a da faixa costeira reduzida ao mínimo nos séculos anteriores aos modernos meios de transporte. Por conseguinte, a música montanhesa inspirada pelos incas tem sido preservada em seu estado quase natural. O que parecia um fato curioso era que, ao passo que esta música folclórica tinha deixado de infiltrar-se em qualquer grau na costa comparativamente próxima, todavia penetrara numa extensão de 3.200 quilômetros de montanhas, ao passo que só sofrera pequenas mudanças de uma parte para outra.
Tais mudanças se desenvolveram em três “tipos característicos” regionais que vieram a ser reconhecidos hoje como música peculiar das áreas do norte, do centro e do sul dos Andes peruanos.
Para ilustrar, se fosse um nativo das montanhas do norte, gostaria de ouvir música alegre e viva, e estaria acostumado a dançá-la com passos rápidos, saltitantes ou em marchas. Teria vindo a apreciar o violino e a harpa feita localmente, a quena (um instrumento do tipo de flauta, feito de bambu), e o violão tocando seu ritmo acompanhante.
Mas, de modo oposto, é bem certo que, se o seu lar estivesse no sul, balançar-se-ia segundo os acordes melancólicos do bandolim e do acordeão, complementados pelo som agudo e penetrante do charango (pequeno violão) e pela batida extra-pesada do grande guitarrón, ao entoaram suas tristes melodias. Dançando ao som destas tristes baladas, ficaria tomado de emoção, as lágrimas rolando pelas suas faces enrijecidas.
Ou, se tivesse sido criado na região Central dos Andes, a terra dos saxofones e clarinetes, das harpas e do violino, deleitar-se-ia nas saltitantes melodias do tipo característico popular. A distante batida pesada do cajon (tambor caseiro) o atrairia à praça pública, onde se juntaria de mãos dadas ao círculo de dançarinos ou bateria palmas em acompanhamento rítmico.

A Batida Irregular

Malgrado os índios das montanhas terem aprendido a dançar a valsa que ali infiltrou-se, proveniente da costa, o ritmo de valsa é praticamente desconhecido na composição desta música folclórica. As populares duas ou três batidas até a barra são geralmente fraseadas em grupos de diversas barras em sucessão, seguidas por uma barra de batidas irregulares.
O lugar em que a barra irregular é colocada varia segundo a música e, às vezes, varia até mesmo numa peça musical. Poder-se-ia, para exemplificar, ter uma peça em que as primeiras duas barras têm quatro batidas cada uma, seguindo-se uma barra com apenas uma batida, seguida de imediato por duas barras de quatro batidas, e então a da batida única. Isto seria repetido através da inteira peça com mínima variação tonal. No entanto, aquilo que talvez falte em cor e criatividade é compensado por seu ilimitado entusiasmo, ao baterem com os pés no chão, ao baterem palmas e gritarem, hora após hora, ouvindo o mesmo tipo de música.

Descarga Emocional

Estes índios não parecem, exteriormente, ser emotivos, mas sua música pode incluir profundas expressões e sentimentos. Um exemplo disto temos nas baladas lentas e melancólicas entoadas em reuniões sociais junto com uma música chamada El Triste. Trata-se duma música para expressar lamentos e serenatas sentimentais, e é a única música em que se apresenta um cantor. O solista, cantando quer em espanhol quer em quíchua, é acompanhado por um único violão que toca apenas a melodia. Ele canta estes tons melancólicos com tristeza exagerada, provocando lágrimas de profunda emoção nos olhos de todos os ouvintes. Não é incomum ver pequenos grupos de convidados agrupados e chorando às soltas e sem acanhamento, todos passando momentos bem agradáveis.
Sem dúvida, a música primitiva é muitíssimo apreciada pelos nativos. Mas, nos anos recentes, alguns arranjos orquestrais desta música inspirada pelos incas têm sido feitos para orquestras sinfônicas. Embora as barras irregulares tenham sido sacrificadas, os prevalecentes tons menores da música, tocados com rica harmonia orquestral, são surpreendentemente belos.

Correspondente Costeiro da Música Folclórica da Montanha

Mas, se o sabor local destas música folclórica é captado com dificuldade pelos de fora, então, será que devemos presumir que a música crioula da costa seja o bastante normal para ser facilmente tocada por todos? Não existe essa feliz circunstância! Certas músicas costeiras crioulas também apresentam suas surpresas.
Em contraste com a música folclórica das montanhas que não faz uso do compasso 3/4 (usualmente compasso de valsa), a música crioula está cheia de valsas saltitantes em adição às polcas e aos foxtrotes. Embora muitos destes sejam deleitosamente normais, algumas destas composições crioulas são tocadas e cantadas com síncope peculiar (em que a batida ordinariamente fraca torna-se a batida forte).
Cada “instrumentista” interpreta a síncope com estilo individual, mas, sempre, com o sabor distintivamente peruano, que afirmam que raramente pode ser imitado por alguém que não tenha sido criado ali. É interessante que duos, trios ou quartetos conseguem ‘sincopar’ em completo uníssono neste ritmo musical, conseguindo-se isto por longos horas de prática. Este fato e duplamente surpreendente quando cantam certas peças que têm superabundância de palavras. Comprimidas nestas peças, do começo ao fim, a rajada de palavras é aptamente incluída no ritmo sincopado, numa suave maratona musical, deixando sem fôlego os ouvintes.

Mudança de Disposição com a Mudança Geográfica

As valsas de Lima, a capital costeira, são vivas, a disposição permanecendo alegre por meio de violões aptamente tocados ou por orquestras modernas. Se andasse pelas suas ruas, com quase toda certeza passaria, durante alguma parte do dia, por uma fiesta no quintal de alguém. É bem provável que os pistons estivessem tocando um cativante foxtrote. Ou talvez acompanhassem os saxofones numa polca ou saltitante valsa. Mas, estariam tocando estas melodias populares peruanas com sua inimitável síncope.
Ao viajar em direção à costa norte, notará que a música se torna notavelmente mais sentimental. Como que para sublinhar a disposição, os cantores desenvolveram o deslize artificial de suas vozes, adicionando-lhes um toque de melancolia.
Com o passar do tempo, toda esta música crioula se ajusta aos toques modernos. Mas, quanto à música folclórica das montanhas, várias décadas de radio difusão, penetrando nos cantos mais remotos da serra, não começaram sequer a mudá-la.
Muitas cenas típicas do Peru representam a pequena orquestra índia com flauta e harpa tocando música de batida irregular para vistosos casais dançantes. As múltiplas saias encapeladas das senhoritas bronzeadas, com fuces cortadas pelo vento, se erguem para formar um crioulo perfeito, ao girarem e pararem subitamente — ao giraram e pararem subitamente.

in Despertai de 8/9/1972 pp. 20-23

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OBRIGADO RUI COSTA!

AMOR MEU, DOR MINHA

DOR MINHA QUE BATES NO CORAÇÃO,
OLHOS TEUS QUE CRUZAM COM A PAIXÃO;

PARA ONDE FORES CONTIGO IREI,
ONDE ESTIVERES AÍ FICAREI;

NA ROTA DO AMOR BUSCAMOS SINTONIA,
SENDO O MAIS IMPORTANTE A COMPANHIA;

FELIZ AQUELE QUE TE AMA,
E QUE PODE ALIMENTAR A CHAMA;

FICAREI. FELIZ. SINTO O TEU ABRAÇO FORTE,
SINTO QUE O AMOR NÃO ALIMENTA A MORTE;

POR TUDO ISTO UM ADEUS NÃO PERMITO,
NO NOSSO CORAÇÃO O AMOR NÃO É MALDITO.